A Vaca que comemos

Anualmente, estima-se que cerca de 331 milhões de bovinos sejam abatidos no mundo para carne, segundo dados da FAO (Food and Agriculture Organization). No Brasil, em 2024, foram registrados cerca de 39,27 milhões de bois e vacas abatidas sob inspeção sanitária, número mais elevado da série histórica no país.

Como funciona a indústria
Desde a reprodução até o abate, as vacas são transformadas em unidades produtivas. Vacas são inseminadas artificialmente, bois castrados, chifres são retirados (desbude), e os animais marcados. Todos os procedimentos são feitos sem anestesia.

A indústria aplica melhoramento genético, cruzamentos dirigidos e tecnologias reprodutivas para tornar vacas mais produtivas (para que cresçam mais rápido) — resultando em animais cujos corpos e ciclos biológicos são empurrados além do que a natureza costuma permitir, causando sofrimento apenas por existirem.

Animais são transportados por longas jornadas, em caminhões e navios, para abatedouros distantes. Na viagem eles passam fome, sede, sofrem de estresse térmico e ferimentos, e muitos chegando à morte durante a viagem.

No abate, os que têm sorte são “dessensibilizados” na primeira tentativa. Uma pistola pneumática projeta um embolo em seu cérebro. Como nem sempre o operador acerta no local certo, são comuns os casos que vários disparos têm de ser feitos até o animal cair. Alguns sistemas usam atordoamento elétrico, outros não permitem insensibilização por motivos religiosos (como o abate halal).

Pesquisas indicam que, em muitos casos, o atordoamento não resulta em perda imediata da consciência. Há controvérsia sobre a extensão em que os animais permanecem conscientes — e por quanto tempo — após o início do abate. Em alguns casos, a imobilidade física pode mascarar a manutenção da percepção sensorial. Relatórios técnicos e investigações em abatedouros documentaram diversos casos de animais ainda conscientes durante o sangramento e até o início do desmembramento.

A indústria opera como uma linha de desmontagem. Só que ao invés de desmontar objetos, desmembra vidas sencientes. A velocidade com que os trabalhadores têm que operar estas linhas são absurdamente altas e cada vez maiores. Para crescer em lucratividade e escala de produção, trabalhadores têm poucos minutos para “dessensibilizar”, degolar e desmembrar cada animal. Isso só não gera “erros” no abate, como um estresse absurdo nestes trabalhadores que são feitos em verdadeiras máquinas de matar, para além de todo dano psicológico que a crueldade do serviço tem nessas pessoas. Para aguentar nestas condições, perdem toda e qualquer empatia, tornam-se completamente dessensibilizados com o sofrimento ali impostos. Isso faz com que cometam ainda mais violência contra os animais, completamente indefesos e à mercê dos interesses, raiva e angústia humana.

Quem lucra e quanto?
A pecuária bovina é território de gigantes. Empresas como JBS (R$ 417 bilhões (≈ US$ 83 bilhões) em receita em 2024), Tyson Foods (≈US$53 bilhões em 2024) e conglomerados globais como Cargill (≈US$ 160 bilhões em receita consolidada) figuram entre os maiores beneficiários desta cadeia que transforma vidas em produto. Com tanto poder econômico, essas corporações possuem um lobby gigantesco e influenciam legislações e políticas que as continuam favorecendo.

Apesar de lucros astronômicos, estas gigantes da carne recebem isenções fiscais, subsídios e incentivos públicos bilionários ao redor no mundo. No Brasil, a JBS recebeu R$8,5 bilhões em isenções fiscais federais entre janeiro de 2024 e maio de 2025, o que equivale a 68% do seu lucro no período, mesmo sendo a maior produtora de carne bovina do mundo.

Perspectiva Animal e Científica
Para a ciência, não há dúvidas de que bovinos são capazes de sentir dor, medo, angústia e de formar vínculos sociais. Estes elementos fundamentam a consideração moral e ética para com estes animais. Quando isto é contrastado com este sistema cruel e maléfico, que explora, manipula, abusa e assassina estes animais, fica evidente a contradição que vivenciamos.

A pecuária não impacta apenas os animais individualmente, mas impacta o ambiente como um todo. A criação de bovinos é responsável por cerca de 41% do desmatamento tropical anual, sendo o maior fator agrícola de perda de floresta no mundo. A pecuária bovina também é uma das principais responsáveis pelo aquecimento global, respondendo por cerca de 65% das emissões do setor pecuário e quase 15% das emissões globais de gases de efeito estufa. A produção de um único bife de 200 g consome em média 3 000 a 3 500 litros de água.

Além disso, o consumo de carne bovina está associado a um maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, hipertensão, câncer colorretal, diabetes tipo 2, esteatose hepática, insuficiência renal e mortalidade precoce. Estudos mostram que o alto teor de gorduras saturadas, ferro heme e compostos tóxicos formados durante o cozimento — como aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos aromáticos — contribuem para inflamação crónica, resistência à insulina e danos celulares, aumentando o risco de várias doenças metabólicas e degenerativas.

A pecuária não é boa para os animais, para o planeta ou para a sua saúde. A pecuária só é boa para quem lucra com ela.

Brasil: epicentro da exploração bovina
No contexto brasileiro, o volume de abate de bovinos em 2024 (≈ 39,27 milhões de animais) representa um nível recorde — um aumento de 15% em relação ao ano anterior. O Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de rebanho bovino e também o primeiro lugar em exportação de carne bovina. O Brasil ocupa a segunda posição em “produção”, abate anual, apenas atrás dos Estados Unidos.