O porco é o terceiro animal mais abatido por ano no mundo (2.2 bilhões por ano), ficando apenas atrás de galinhas e patos, sendo assim o mamífero terrestre mais abatido no mundo.
No Brasil não é diferente. Porcos ficam apenas atrás do abate de galinhas, com 57.8 milhões mortos por ano. Isso representa mais de 160 mil animais abatidos por dia. Isso é equivalente a população inteira de São Caetano do Sul (SP) abatida em um único dia somente no Brasil.
Como a indústria opera:
A grande maioria dos porcos criados para consumo humano vive confinada desde o nascimento até o momento do abate. Segundo a FAO, mais de 50% dos porcos abatidos no mundo têm origem em sistemas de criação industrial. Nessas fazendas, os animais passam os primeiros meses de vida em pé ou dormindo sobre superfícies de tela de arame, que ferem seus pés e pernas — ferimentos que quase nunca são tratados.
Enquanto na natureza os leitões são desmamados após cerca de treze semanas, nas granjas industriais o desmame ocorre por volta de dez dias após o nascimento. Privados do contato com a mãe, acabam desenvolvendo um distúrbio conhecido como “vício de sucção”, que os leva a sugar o umbigo, a vulva, as pregas das virilhas e as orelhas de outros animais, além de causar canibalismo e a ingestão de fezes e urina.
Os porcos também são castrados ainda muito jovens e sem qualquer anestesia, com o objetivo de reduzir a agressividade e melhorar o sabor da carne. Além disso, têm a cauda e os dentes amputados, também sem anestesia, sob a justificativa de prevenir o canibalismo. No entanto, essas práticas são respostas à própria realidade cruel do confinamento. Em fazendas industriais, onde milhares de animais são mantidos em espaços mínimos, o estresse e a frustração geram comportamentos agressivos que não existiriam em condições naturais. Assim, a ideia de que essas mutilações são necessárias é totalmente infundada, pois o canibalismo surge como um resultado da realidade cruel do confinamento.
Um detalhe ainda mais cruel da amputação da cauda nos porcos é que ela não é feita por completo. Deixa-se um pequeno pedaço bastante sensível. A qualquer mordida, até mesmo o porco mais deprimido esboça reação de dor.
As porcas fêmeas, assim como as vacas leiteiras, estão entre os animais que mais sofrem na pecuária industrial. Assim que atingem a idade de reprodução, são emprenhadas e levadas para as chamadas baias de gestação — gaiolas de metal pouco maiores do que o tamanho de seus próprios corpos, que as impedem de dar um único passo para frente ou para trás, ou mesmo de girar sobre si mesmas. O único movimento possível é deitar-se ou levantar-se, e ainda assim de forma dolorosa, já que a largura das baias não permite que estiquem as pernas sem atingir a porca ao lado. Muitas acabam deitando-se sobre os próprios membros inferiores, o que causa dores intensas e feridas nessa região.
O piso das baias é de concreto, compacto e levemente inclinado para permitir o escoamento das fezes e da urina, o que provoca feridas nos pés e dores nas articulações. O estresse é tão grande que algumas porcas chegam a quebrar os dentes de tanto morder as grades de ferro.
O ciclo reprodutivo de uma porca pode durar até quatro anos. Durante esse período, elas dão à luz em média cinco vezes a cada dois anos. Quando deixam de ser consideradas “produtivas”, são enviadas para as baias de terminação e posteriormente abatidas. De acordo com a Embrapa, porcas que não retornam ao cio até quinze dias após o desmame, que apresentam falhas de fecundação, dificuldade no parto, baixa produtividade, metrite (inflamação do útero), mastite, agalaxia (falta de leite), aborto ou falsa gestação devem ser descartadas.
Estudos mostram que porcos criados em regime intensivo, quando libertos, demonstram comportamentos coerentes e surpreendentemente limpos. Constroem ninhos comunitários e passam a defecar em áreas específicas, afastadas dos locais de descanso. No confinamento, porém, a privação e o estresse os tornam deprimidos e apáticos, o que permite ainda mais que outros mordam suas caudas, o que causa grandes feridas, infecções e estimula ainda mais o canibalismo.
A perversidade de transformar animais em mercadorias
Animais confinados não têm a possibilidade de buscar alimento, abrigo ou cuidado por conta própria. Assim, se adoecem e não recebem tratamento, ou se não são alimentados, sofrem os efeitos dessa negligência até morrer de forma lenta e dolorosa.
Nos sistemas industriais, o valor da saúde e do bem-estar animal existe apenas enquanto é útil economicamente — enquanto o animal é uma mercadoria que gera lucro. Quando já não suporta o sofrimento ou deixa de ser “rentável”, é simplesmente descartado, pois sua manutenção passa a ser vista como um custo para o produtor. É dessa forma que o governo e a pecuária industrial enxergam e tratam os animais considerados “de produção”.
Raramente esses animais são examinados por um veterinário. Não há motivo, dentro dessa lógica, para se preocupar com uma úlcera ou uma perna quebrada se a porca ainda consegue produzir leitões. Doenças que poderiam ser tratadas são ignoradas, desde que o animal continue engordando e possa ser abatido. O cerne da questão é que esses animais são criados para produzir e servir de alimento para o homem e sua vida se resume unicamente a isso. Qualquer consideração pela sua saúde está em direta conexão com o custo de seu confinamento e com o lucro obtido no final pela carne por ele produzido.
Trecho adaptado de “Crueldade Indigesta” de Raul Tavares.
Quem lucra com a exploração brutal de porcos
O setor de carne suína está avaliado em torno de R$ 2.2 trilhões (US$ 406 bilhões) em 2025, com projeções de crescimento anual composto na casa de ~2–3% até 2030, que são reflexo da escala industrial cada vez maior, do comércio internacional e da integração vertical (produção, ração, processamento e exportação). Grandes players globais (como JBS) e grupos regionais com unidades dedicadas ao suínos capturam margens em toda a cadeia, beneficiando-se de economias de escala e de mercados externos que remuneram volumes e produtos processados.
No Brasil, as exportações bateram recorde em 2024, com 1,352 milhão de toneladas de carne suína embarcadas; um aumento de cerca de 10% sobre 2023. O mercado interno e externo é dominado por grandes grupos e cooperativas como JBS (unidades Seara e outras linhas de suínos), Aurora Alimentos (Cooperativa Central Aurora, que respondeu por mais de 20% das exportações brasileiras de carne suína em 2024 segundo comunicados da própria cooperativa) e BRF (com presença relevante na carne processada), além de uma rede de integradoras regionais. A compra da BRF pela Marfrig, aprovada pelo CADE em 2024, simboliza a consolidação de um oligopólio cada vez mais poderoso na indústria da carne, onde poucos conglomerados — como JBS, Marfrig/BRF e Aurora — controlam quase toda a produção e exportação de carne suína no Brasil, concentrando lucros bilionários e influência política sobre políticas agrícolas, de bem-estar animal, ambientais e comerciais.
Neste cenário, sem leis eficazes que realmente protejam os animais e diante de um Estado capturado por interesses económicos da agroindústria, as gigantes da carne continuam a agir impunemente, tratando seres sencientes como simples recursos produtivos. A lógica do lucro absoluto — sustentada por subsídios públicos, propaganda enganosa e silêncio institucional — perpetua um sistema de violência sistemática e industrializada. Se nada mudar, a brutalidade infligida aos animais, já inimaginável frente ao que se conhece, apenas se aprofundará, tornando-se ainda mais invisível por trás das cifras astronômicas.